segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Tempo Perdido

Estava aqui revendo o journal, pensando no que publicar, e abri meus contos antigos pra ver se tinha algo "publicável".
Acabei encontrando esse conto, que eu estava há algum tempo (na verdade três anos) pra revisar e alterar algumas coisas (principalmente o nome dos envolvidos - galera ia me matar se eu publicasse com os nomes verdadeiros, hehe). A idéia era escrever algumas memórias do tempo da juventude (eu ainda sou jovem, é bom ressaltar) pra fazer parte de um compêndio que eu iria batizar de "O Bando do Velho Jack". Por enquanto, esse é o único conto d'O Bando.
É levemente baseado em fatos reais (razão pela qual eu tive que alterar alguns nomes), mas ainda assim É ficção...
E não, eu não sou homofóbico, antes que me venham com pedras (ainda mais hoje em dia que está na moda dar o... digo, ser homossexual).
Bom, o conto está aí. Enjoy it!


Tempo Perdido
Osvaldo Ken Kusano

“Todos os dias quando acordo
Não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo”
- Renato Russo

Os três ansiavam por sair daquele lugar e o fizeram o tão rápido quanto suas condições alcoólicas permitiam.

Jack foi o primeiro. Pagou em dinheiro. Tinha pouco dinheiro – dinheiro de verdade, em papel e moeda – mas esvaziar o parco volume da carteira compensava pela conquista de tempo em sua fuga.

Neto e Luiz Rogério, que preferiram pagar em cartão respectivamente por não ter dinheiro em espécie e por querer salvar a rara nota de cinqüenta que parava em suas mãos, ainda estavam dentro do estabelecimento quando Jack passou pelo "hostess".

Para Jack, a idéia de ter um "hostess" homem (ou razoavelmente homem, segundo a tradicional concepção da Santíssima Igreja Católica Apostólica Romana – uma das poucas coisas em que Jack concordava com a Igreja era o que se referia ao propósito da criação de Adão e Eva) era um tanto quanto estranha. Ter um "hostess" maquiado, de fraque justo e cartola, isso lhe ultrapassava os limites da bizarrice.

Mas aquele era um bar GLS, e Jack concordava com a sua pouca consciência politicamente correta que não podia criticar tão duramente o lugar pela escolha do seu público ou de seus empregados, ainda que houvesse por parar ali acidentalmente.

Começou, como sempre, no boteco. O bando, ainda que desfalcado, contava com Jack, Neto e Luiz, e a bebedeira rendera um bom passatempo por quatro horas de conversa jogada fora, muita cerveja, e uma única porção de batatas fritas, que era, para os três, o pouco alimento sólido ingerido desde o almoço de cada um.

Quando o assunto por fim parou de se repetir (o que acontecia depois que não havia mais nada de novo para se falar), Neto, num breve momento de lucidez, reavivou a conversa:

- Pô, hoje é aniversário da Lu, ela tá comemorando numa balada ali na Alameda Itu.

- Alameda Itu? Lá é pico de viado, cara! – Jack lembrou.

- Quem é Lu, Neto? – interrogou Luiz. Mas a lucidez de Neto, que nunca era o mais lúcido do bando, logo lhe fugiu.

- A Luciana, ela é firmeza, acho que o lugar é tranqüilo, pega nada de viado não.

- Não conheço essa Luciana, né?

- Acho que não, mas o Luiz conhece. Aquela, peitudinha, baixinha, cabelo castanho...

- Ah, já sei quem é! Ela não é sapata?

- Se é eu não sei, mas já bati umas bronhas pra ela.

A discussão seguiu em rodeios que sempre retornavam à questões como "Lá é pico de viado?" ou "Sabe se vai ter mulher?" ou ainda "Tem certeza que o goró não é caro?".

Mas ainda que Neto não tivesse certeza de nenhuma das respostas, sua vontade de arriscar alguma diversão naquela noite era mais forte do que sua sinceridade, e foi assim que os três foram parar ali.

Verdade que só tiveram certeza de que era um lugar freqüentado pelo público GLS na hora em que já estavam lá dentro, depois de terem se comprometido a pagar uma consumação mínima, descrita numa comanda impressa em preto e rosa, onde o "hostess" havia anotado o nome de cada um. E não gostaram daquilo.

Jack e Luiz compartilhavam um sentimento de traição. Sentiam-se enganados por Neto, que se não tivesse sido atraído por duas garotas que se beijavam ardentemente (e conseqüentemente se separado do bando para tentar se enturmar com as meninas), estaria sendo açoitado pelos dois.

Ficaram no local apenas o tempo suficiente para consumir as duas cervejas que já estavam incluídas na entrada, ir ao banheiro (e se aterrorizar com a idéia de "vending machines" de preservativos dentro do banheiro unissex, onde Jack urinou por todo o chão por ter ficado longe demais do vaso sanitário ao apoiar as costas na porta para que ninguém a abrisse), e ser bruscamente advertido que "não, não queremos a sua companhia e estamos muito bem sozinhas, então vaza, mané!".

Jack saiu e acendeu um cigarro. Esperava pelos amigos quando o "hostess" comentou:

- Nossa, o seu amigo é grande, né?

Ele se referia ao Luiz. Dois metros de altura, e com certeza menos de 90 quilos, o que, para a sua altura, já era pouco.

A altura desmedida, o jeito desengonçado e a forma física delgada eram vantagem para seus amigos, que facilmente o reconheciam em multidões e lhes davam criatividade o suficiente para criar apelidos como Boneco de Olinda, Boneco de Posto, Poste com Pernas, dentre outros. Naquele momento, para Jack, os atributos de Luiz pareciam uma ótima oportunidade para um alívio cômico em sua fuga.

Jack, ainda que evitando fazê-lo além do necessário, desafinou a voz e pendeu exageradamente o peso do corpo em uma das pernas, requebrando uma das nádegas:

- Grande? Hmpf! Você ainda não viu nada! – e afastou-se, tentando crer que a sua performance havia sido extremamente necessária, e que não voltaria a repeti-la jamais.

Quando Luiz, seguido por Neto, finalmente saiu do estabelecimento, o "hostess", que se lembrava do nome composto, sonoro e melodioso, do moreno alto e esbelto que ele vira naquela noite, e que viria a lhe povoar os sonhos nas noites a se seguir, indagou:

- Já vai, Luiz Rogério? – sua voz se fez soar sibilante, pausada e cantada. Mais tarde, Luiz não admitiria, mas se qualquer mulher lhe tivesse feito aquela pergunta, ele provavelmente teria abandonado o bando e a conduzido ao primeiro motel ou hotel que encontrasse.

Os dois retardatários se apressaram em entrar no carro de Jack, que foi atualizado sobre os fatos e pôde, juntamente com Neto, rir em voz alta e com todo o fôlego que lhe sobrava nos pulmões.

O que mais irritava Luiz não era a cantada em si, nem a gozação dos amigos, algo com o que já se acostumara. Era o jeito com que o "hostess" havia pronunciado seu segundo nome, fazendo o "G" soar como "Z"... "Luiz Rozério..." Aquilo sim o irritava.

"Fucking faggot", pensou. Mas então percebeu que "fucking" não era o melhor adjetivo para acompanhar "faggot", então tentou apagar aquilo do pensamento e enrubesceu.

- Preciso desenviadar.

- Desenviadar, que porra de palavra é essa? Isso nem existe! Ou você é viado, ou não é! – Jack ainda estava eufórico pela gozação do amigo que tentava mudar de assunto. Neto tinha apagado no banco de trás. Estavam andando à esmo.

- Desenviadar, cacete. Fiquei tempo demais naquela merda cheia de bicha. Preciso tirar a viadagem do corpo.

Jack, que também estivera lá, sabia o que Luiz queria dizer. "Luiz Rozério"... Aquilo era muito engraçado, mas, para Jack, a situação dos três era trágica. Ficou se imaginando se alguém os teria visto andando por aquela região.

- Sabe, você tem razão... – disse Jack enquanto pensava em lugares em que não se importaria de ser reconhecido.

- Eu sempre tenho.

- Acorda o Neto. Nós tamo indo pra zona!

E os três seguiram em direção ao centro da cidade, prontos para recompensar o tempo perdido.

MMVIII
Revisão MMX

2 comentários:

HitomiChan disse...

uahuahau
rendeu boas risadas
=P

Germe disse...

É engraçado os baitolão falando Jorge... ZORZE... wtf...

Eu ri! :D