quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O Preço

Dei-me conta de que não havia publicado este conto por aqui ainda.
Por um bom tempo, tive muito ciúme dele, e por isso nunca o publiquei por aqui. Contudo, desde a metade do ano passado eu já estava disposto a colocá-lo aqui no journal.
Cheguei a cogitar um outro título. Pensei em tornar a idéia de uma raposa e de um daimiyo (do folclóre e cultura japonesa) mais clara, mas nunca encontrei nada que me agradasse. Enfim, o título nunca se alterou.
Para quem nunca o leu, o ciúmes não vem tanto da qualidade do conto. Na verdade, eu nem gosto tanto dele assim. Acho que a vontade e a idéia inicial do que eu queria expressar não bateram com o produto final, e isso são coisas que só os autores podem saber de verdade. Mas muita gente elogiou o texto, e por isso eu fiquei todo orgulhoso, como um pai cujo filho chega em primeiro lugar numa competição de natação...
De toda sorte, espero que gostem. Mais do que eu mesmo gostei.


O Preço
Osvaldo Ken Kusano

Sorveu um gole de um café escuro, forte, amargo. Deu um trago longo e profundo no cigarro, já no fim, até sentir o gosto do filtro queimado. Pendeu a cabeça para trás e fechou os olhos, ainda que não mais pudesse ver, mesmo com eles abertos.

- Então é isso. – disse afirmativamente, ainda que com ar de indagação. Jogou a bituca ao chão.

Do cobertor gasto, pulgas que lhe mordiam os tornozelos finos saltavam para o carpete puído e já quase sem pêlos, todo marcado pela velha cadeira de rodas.

- Se é o que você realmente deseja. – respondeu-lhe a jovem bem vestida, com a escuridão da noite presa em seu coque. Os delgados olhos verdes a fitar o homem à sua frente.

Era uma moça bonita. Tinha uma pálida e elegante beleza que fazia inveja à lua.

Fitava-o seriamente. Não com desdém. Não com raiva ou rancor. Seu rosto era apenas uma moldura vazia, uma tela em branco com um toque de sensualidade que faria qualquer homem se sentir incompleto em não poder ver.

- Desejo... – o pensamento poluído pelo ar viciado do pequeno apartamento lhe fugiu dos lábios finos e azulados.

- Meu único luxo, em todos esses anos, foi este apartamento. Nada mais.

- Muito justo para quem quis viver de amor.

- Amor? – disse tossindo – Amor não existe. Tudo é desejo e carne e fel. E agora a morte.

Fez que ia se levantar, uma última e única vez, mas desistiu.

- Suas pernas já foram mais fortes. Terras você já teve. Houve o tempo em que qualquer homem ou mulher se curvaria a você.

Procurou pelas mãos delicadas e bem cuidadas da jovem moça, que lhe passou o cigarro recém acendido. A bituca marcada com seu batom escarlate. Tragou-o, e a fumaça que vagarosamente expirou tomou som; palavras entre gemidos:

- Não me arrependo. Talvez por já fazer muito tempo, mas muito mais por passar a viver desde então.

- Queimaram seu castelo. Seus homens caíram em desgraça. Nunca mais falaram seu nome novamente.

- Eu já havia atravessado os mares. Com você. Era o que me bastava.

Fez uma pausa, aguardou a sirene que gritava na rua se afastar. Tomou fôlego e então, em meio aos barulhos da rua, prosseguiu:

- Bebi e gastei tudo que tinha. Você sempre ao meu lado. Guerras começaram e acabaram, mas tinha você sempre ao meu lado. Então eu envelheci, e você se foi.

- Eu tentei.

- Não. Você desistiu. Mas sempre voltou. Todo ano. E aqui está você.

- Eu me liguei a você. Por todos esses anos, nossas almas ainda estão ligadas. As pessoas chamam isso de...

- Amor? Amor não existe! – parou ofegante. Expirava dúvida.

- Muitos anos se foram. – disse a jovem, com um ar piedoso e cheio de dor.

O silêncio reinou por minutos, mas que pareciam horas. Quase não se ouvia a respiração de nenhum dos dois.

O velho, olhos fechados, estava caído em sua cadeira de rodas, como um corpo sem vida.

Abriu os olhos novamente, enxergando nada mais que a escuridão à sua frente.

A piedade da jovem se transformou, e os finos olhos verdes agora procuravam uma resposta no rosto enrugado e inexpressivo do homem sentado contra a janela. Ao longe, a lua observava a tudo, imponente no céu.

- Tem certeza? – indagou o velho.

- A velha bruxa do bairro oriental disse que funcionaria.

Esperou e assentiu com um menear da sua fronte calva.

A moça soltou seus cabelos negros e compridos, aproximou-se do velho, e beijou-lhe a face – Eu te amo.

- Tudo é desejo e carne e fel...

Aos poucos a cor lhe fugia da face. O contraste entre as madeixas da moça e a tez do homem se substituiu pelo vermelho do batom na branca face do velho.

E a lua, que invadia a janela com a candura de sua luz, olhava impiedosa para um velho homem e sua raposa ao colo.

MMVI
Revisão MMVIII
Revisão 2 MMIX

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Top Shelf é parcialmente comprada por produtora de cinema

Saiu hoje no Omelete.

A editora de quadrinhos norte-americana Top Shelf teve parte de suas ações compradas por uma produtora de filmes independentes.
A editora é responsável pela atual publicação de quadrinhos do Alan Moore (como A Liga Extraordinária) e outros autores indies em destaque, como Craig Thompson, autor de Retalhos.
Tratam-se apenas de duas pequenas empresas, mas não dá pra deixar de especular que, com isso, novos filmes baseados em quadrinhos surgirão por aí.
Parece que a maldição das adaptações continua a perseguir Alan Moore...