segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Empanada Especial

Escrevi este conto já faz algum tempo. Escrevi de uma vez e nunca o revisei. Acredito, aliás, que nunca chegarei a revisá-lo. Não por acreditar que esteja bom, mas simplesmente porque o conto em si perdeu o sentido original do que ele significava.

Algumas das coisas que eu escrevo nascem com um propósito, com um objetivo, com uma idéia por trás delas. Este conto não foi diferente, mas o propósito se perdeu.

Então, só pra não jogar fora o trabalho, estou publicando aqui no journal.



Empanada Especial
Osvaldo Ken Kusano


Amanhecia o dia quando Breno e Ricardo saiam da boate, os dois exaustos. Um por ter se divertido demais durante a noite. O outro, pelo exato oposto.

A expressão marcada a ferro no rosto de Ricardo era de melancolia, desespero e decadência. Breno tentava há dias colocar algum ânimo no semblante caído do amigo, desde quando este se mudara para sua casa, mas tudo que conseguia era lhe arrancar suspiros e lamentações.

A tentativa de levar o amigo para sair parecia ter surtido o mesmo resultado dos ensaios anteriores, de forma que, vencido pelo cansaço, e com a pouco ajuda de um desanimador despertar de uma manhã de inverno, Breno apenas caminhava, silenciosamente, ao lado de Ricardo.

Com as mãos enfiadas nos bolsos, andando a mirar os próprios pés, para Ricardo tudo tinha um ar de tristeza: as bitucas de cigarro jogadas na sarjeta, o concreto rachado das calçadas, até mesmo o vapor de sua respiração que se formava no ar gelado das ruas.

Foi quando passaram em frente a um bar de esquina que Breno quebrou o silêncio entre os dois. Quis parar para comer uma empanada. Com entusiasmo, recomendou-as. Disse ao amigo sobre como eram famosas, gostosas, bem servidas.

Em contraste, tão desanimado quanto já estava, Ricardo apenas deu de ombros e concordou.

Breno pediu pelos dois:

- Duas especiais. E dois cafezinhos pretos.

Sentaram-se. Breno trazendo os dois copos de café. Ricardo a fitar meditativamente o porta-guardanapos sobre a mesa, com toda a metafísica inerente a se fitar o porta-guardanapos sobre a mesa.

Breno pôs-se a comer sua empanada tão logo elas chegaram. Ricardo demorou um pouco mais. A princípio, quase não as percebeu, ainda que Breno fizesse um ou outro comentário sobre os salgados.

E foi na sua segunda mordida que Ricardo percebeu uma uva passa no recheio. Não que estivesse atento ao sabor do que comia, ou sequer que estivesse sentindo sabor algum. Mas a uva passa chamou sua atenção.

Ricardo detestava o agridoce. Não podia compreender como coisas doces podiam servir de ingredientes para alimentos salgados. Estava apático demais para se importar, mas coisas como uma uva passa no meio de um salgado sempre o irritaram.

A ela não. Carol adorava o agridoce. E Ricardo se lembrou da discussão da Ceia de Natal, da farofa com maçã, da maionese com pedaços de frutas, do molho de laranjas que Carol tanto gostava. E se lembrou também de como fizeram as pazes todas as vezes, e de como foi convencido a experimentar batata frita com sorvete por um sorriso sincero e inocente, e das gargalhadas, e das caretas, e de tudo entre um e o outro.

Até mesmo Breno, que já cedia à frustração, percebeu a mudança na fisionomia de Ricardo, que deixou sua empanada pela metade sobre a mesa e levantou-se em direção ao balcão.

- Uma empanada especial. Para viagem.

MMIX

Um comentário:

zeh disse...

nice one doutô